Quando se fala em preparação de motores, os turbocompressores parecem ser o ponto de partida de qualquer diálogo sobre o assunto. Menos para os fãs dos Honda Civic – mais conhecidos como “hondeiros” – os quais seguem fervorosamente a corrente alternativa ao “caracol mágico”.
A mágica da marca japonesa segue um caminho alternativo, com resultados notáveis. Já em 1992, o Honda Civic VTi entregava 160 cv ás 7.600 rotações, numa época na qual motores de seis cilindros raramente ultrapassavam esse valor.
Para os “hondeiros”, o indicador de sucesso na preparação do seu VTEC tem nome: potência específica. Para eles, ela nunca deve ser inferior a 100 cavalos por litro.
COMO A HONDA CONSEGUIA O FEITO JÁ NOS ANOS 90?
Para compreender a filosofia de sucesso da Honda e os seus motores VTEC, precisamos remontar às origens da preparação aspirada.
BREVE HISTÓRICO DA PREPARAÇÃO ASPIRADA
A preparação aspirada teve origem nos anos 1950 na Europa, na era romântica do automobilismo, nos primórdios da Fórmula 1 e nas primeiras categorias de turismo, cujos regulamentos limitavam o deslocamento volumétrico dos motores e peso máximo.
Posto isto, o trabalho dos mecânicos baseava-se em reduzir o peso de chassis e carroceria e aumentar a potência dos motores conforme as regras da categoria. Naquele tempo, não havia turbos nem compressores mecânicos minimamente fiáveis, adventos que surgiram nos anos 1930 e se popularizaram apenas cinquenta anos depois. Também não havia alimentação e gerenciamento eletrônicos, os quais dominaram as pistas e ruas a partir dos anos 1980. Então a única saída consistia em trabalhar as peças móveis do motor, á procura dos cavalos extras.
Assim, as escuderias especializaram-se na preparação aspirada de motores de competição por não haver alternativa. Já na década de 60, a Honda fez a sua primeira incursão na fabricação de motores de Fórmula 1 e outras categorias do automobilismo, iniciando a aquisição de know-how em preparação aspirada, do qual desfrutamos hoje em dia.
Entretanto, carros japoneses tinham péssima reputação naquela época, de modo parecido ao que ocorre hoje com modelos chineses. O quadro passou a ser revertido nas duas décadas posteriores, com o trabalho na qualidade e fiabilidade, marcas registradas da indústria automobilística nipônica nos dias de hoje.
Nos anos 70, começaram a popularizar se as versões desportivas com preparação de fábrica e o ícone daquele tempo era a Alfa Romeo, cujos motores aspirados de 2 litros entregavam 150 cavalos. Toda a engenharia de motores da Ferrari baseia-se nos mesmos princípios clássicos utilizados em competições. Fonte esta da qual a Honda também bebeu.
Então podemos dizer que a tecnologia dos motores Honda VTEC nasceu nas pistas de corrida? Sim. Segue à risca a receita da Ferrari e Alfa Romeo? Sim e não, pois emprega outras tecnologias que surgiram nos anos seguintes.
Após este breve histórico, a lista abaixo enumera os ingredientes da receita japonesa de preparação aspirada:
1 – Motor superquadrado
Um motor superquadrado consiste numa arquitetura com diâmetro do pistão maior que o curso. No 1.6 VTEC do Civic VTi de 1994, a relação diâmetro x curso era de 81 mm x 77,4 mm.
Este projeto com bielas mais curtas reduz a massa móvel dos componentes móveis do motor, o que o permite girar mais livremente e entregar mais potência específica. Motores de Fórmula 1 apresentam a configuração superquadrada de forma muito acentuada.
A desvantagem consiste na inviabilização de instalar um turbocompressor, pois os pistões suportam menor carga.
2 – Peças móveis com baixo momento de inércia
Pistões, bielas, comandos de válvula, e partes móveis fabricados em materiais especiais compõem a segunda componente da receita de alta potência específica. Tudo em nome da redução do momento de inércia, a chave das altas rotações.
Qualquer pessoa que já viu um motor VTEC desmontado percebe que os seus componentes têm desenho delgado e são muito leves. Se teve a oportunidade de comparar com os componentes de um motor Volkswagen por exemplo a diferença no projeto de ambos os propulsores fica bastante explicita
O motor de origem alemã tem componentes pesados e robustos, em oposição aos componentes leves e refinados do japonês. Cada um tem os seus prós e contras.
3 – Alto limite de Rotação
Com tanta leveza interna, os motores VTEC podem girar em rotações tão elevadas quanto 8000 rpm ou mais, a exemplo dos melhores superdesportivos italianos da Alfa Romeo, Maserati e Ferrari. Quem acompanha a Fórmula 1 sabe o quanto o aumento do limite de rotação influencia a potência máxima de uma unidade motriz.
Ao passo que os desportivos da mesma categoria raramente passavam das 6500 rotações, os preparadores e engenheiros japoneses sabiam muito bem que o aumento no limite para o corte de rotações faria a potência máxima se elevar, e projetaram os seus VTEC inspirados nos Mugen de competição.
4 – Comando variável
Aqui está o pulo do gato. O motor VTEC diferencia-se dos demais pelo comando de válvulas variável duplo, responsável por oferecer o melhor regime de funcionamento em qualquer faixa de rotação.
A tecnologia VTEC era tão diferenciada na época que as marcas premium alemãs passaram a adotá-la logo em seguida. A Honda oferecia já em 1994 no Civic, ao passo que a BMW passou a utilizá-la apenas em 1998 no 328i. Atualmente, tornou-se de série em quase toda a indústria.